ENTREVISTAS

Entenda de onde vem a líder da banda Deb And The Mentals e o que ela considera como luta feminista no meio da música.

por Catharina Gaidzinski

COMPARTILHE

Deborah Babilônia, mais conhecida como Deb, é uma musicista de Brasília, bacharel em Publicidade e Propaganda pela IESB e vocalista da banda de rock paulista Deb And The Mentals. Aos 14 anos, Deb se mudou para um colégio maior e fez amizade com jovens mais alternativos, e foi lá que ela tomou gosto pela música, gravando e trocando CDs com os amigos, já que não tinha MTV na cidade. Na internet, Deb conheceu um menino que tocava guitarra e era fã de Nirvana, Courtney Love e Bush. “Uma vez ele foi pra gringa e voltou com um CD da Courtney Love. A gente tava escutando no carro dele, e aí eu cantei em cima e daí ele falou ‘Pô, você tem mó voz massa, Deborah, vamos montar uma banda’, e aí a gente começou a nossa primeira banda, que era um cover da banda da Courtney Love”, conta.

Antes disso, ela já cantava no quarto, e se identificava mais com bandas de mulheres. Algumas referências que ela tinha eram Björk, The Cranberries, Veruca Salt, Garbage e No Doubt. Quando surgiu a ideia de montar uma banda, ela e o amigo chamaram duas conhecidas para assumir o baixo e a guitarra. Deb se inspirava muito na ídola, Courtney Love, e tinha a vontade de montar uma banda parecida com a Hole, composta de três mulheres e um integrante homem. “A gente sempre chamava integrante mulher. Sempre toquei com meninas, desde a primeira banda”, comenta. “Mas, infelizmente, era difícil achar meninas para compor as bandas. Tinham poucas, elas eram até meio disputadas”.

“Mas, infelizmente, era difícil achar meninas para compor as bandas. Tinham poucas, elas eram até meio disputadas”.

Ilustração de Julia Kawayumi. Foto: Reprodução.

Confira abaixo a entrevista na íntegra com Deb:

Desde que começou na música até hoje, você percebeu ou tem percebido diferenças de tratamento entre você e seus colegas homens?

Deb: Eu não tinha muito essa noção lá atrás. A gente era banda cover, era muito novinho e tocava em clube, então eu não percebia tanto. Mas depois que eu vim para São Paulo, aí eu tive banda autoral e comecei a conviver com outras bandas de música autoral, na sua maioria, de homens. E aí eu percebo, hoje, olhando para trás, que, para afastar um pouco essa coisa de que me olhassem sexualmente, como eu estava num ambiente masculino, eu acabava ficando um pouco com trejeitos de menino. Como uma forma de proteção e também para eu fazer parte e não ser excluída. Então, era uma coisa que fazia as pessoas me respeitarem, para eu conseguir fazer parte desse universo de alguma forma. Mas tratamento diferente, por exemplo, eu sentia muito, e sinto ainda, quando técnico de som do lugar vê que eu sou menina e aí fica ‘Ah, você sabe ligar o seu microfone?’, coisas assim já passei bastante. Tipo, ‘Ah, você canta mesmo?’, como se fosse uma brincadeira eu estar ali por ser mulher e estar em cima do palco. Também já tive que escutar caras gritando ‘Tira a sua camiseta’.

“‘Ah, você canta mesmo?’, como se fosse uma brincadeira eu estar ali por ser mulher e estar em cima do palco”.

Foto: Reprodução.

Você já presenciou algum tipo de assédio na cena?

Deb: Olha, de saber, eu já soube bastante. Mas de ver acontecer, na minha frente, não. Até porque, na maioria das vezes (e isso tem mudado bastante hoje em dia), quando a gente toca, é com banda de homem, então, muitas vezes eu acabo sendo a única menina. Tem festivais que têm esse intuito de ter bandas de mulheres, aí a gente acaba se encontrando ali no backstage. Então, já ouvi sobre histórias. Tem essa questão de sempre falar que as minas são groupies. As meninas que são fãs de banda são sempre tratadas dessa forma. Também tem histórias de meninas que tocam e vão conversar com alguém de outra banda e são tratadas como se fossem fãs e não são encaradas no mesmo nível.

Você já chegou a sofrer preconceito por ser uma menina que gostava de rock?

Deb: Já. Quando você fala que gosta de rock, você é muito questionada por homens se você conhece mesmo a banda, se conhece o nome do disco tal, se você realmente escuta, se você tem conhecimento do que tá falando. Então, eu já fui bem questionada. E eu me sentia numa prova, muitas vezes. Tipo, ‘Ah, mas você gosta dessa banda? Então fala aí o nome da música e do disco. Será mesmo que você escuta rock?’ Porque não era uma coisa muito comum. E melhorou bastante, mas até hoje não é. E, em Brasília, era um circuito bem fechado e com poucas mulheres. Então é uma coisa que eu sempre fui questionada. E até hoje acontece a mesma coisa.

“Quando você fala que gosta de rock, você é muito questionada por homens”.

Foto: Reprodução.

Você acha que, hoje em dia, o rock feminino está de fato crescendo e tem sido mais respeitado pelo público e pela mídia?

Deb: Eu acho que vem crescendo cada vez mais. Inclusive, até falando da minha vivência, como a internet era discada, ainda existia toda essa dificuldade para chegar informação, para a gente ver quem estava cantando. A gente via muito no encarte do CD ou foto em revista. Então, era difícil ser representada e se ver ali. Você acabava se sentindo representada por amigas, por quem estava ali próximo, e de ver uma foto da artista ali cantando na frente de uma multidão. Então, agora que chegou essa informação para as outras meninas, e agora que você consegue ter um acesso mais fácil a isso, até por cantoras pop, eu acho que isso tem encorajado cada vez mais meninas a se tornarem artistas e tomar frente nesse universo que é tão masculino. Eu tenho visto muitas meninas se juntarem. Tem vários grupos no WhatsApp de bandas de meninas. Eu tenho visto essa coisa crescer cada vez mais, apesar de sempre ter existido.

“Era difícil ser representada e se ver ali”.

O que você considera como luta feminista no meio da música?

Deb: Eu acho que só o fato de você estar no palco já é uma luta para nós, porque, primeiro que a gente sempre escuta muita coisa. Eu vejo, do palco, homens que ficam me olhando meio intimidados, às vezes até meninas também, meio sem saber o que está acontecendo. Então, a gente mostrando que a gente tem voz, que a gente está ali, que a gente não tem medo de estar liderando uma coisa que está sendo observada por um público, por menor que ele seja, acho que já é um grito de luta. Estamos conquistando um espaço que é difícil ainda, que está sendo cada vez mais conquistado, mas ainda a passos de formiga, infelizmente. Mas felizmente também, muitas meninas estão conseguindo ter o seu grito de guerra. E eu tenho visto, não só artistas, como todas as minas tendo coragem de falar ‘Ei, o que passou?’, ou falar algo que incomoda, o que ela sofreu, o que ela sente. E a gente escondia muito isso, ou para agradar algum menino, ou para agradar uma sociedade que ainda não estava aberta ao que a gente queria falar.

“Só o fato de você estar no palco já é uma luta para nós”.

Foto: Reprodução.

Você sente que tanto o público quanto a indústria musical ainda costumam julgar as mulheres mais pela aparência do pelo talento e pela arte delas?

Deb: Com certeza, a aparência é muito ligada. Uma das primeiras coisas que eu escutei quando eu cheguei em São Paulo, foi: ‘Bonitinha você é, mas será que canta mesmo?’, e quando eu escutei isso, eu senti que eu tinha que provar que eu cantava, sabe? Como se fosse uma pressão. Então, eu acho que, de certa forma, a presença feminina como artista ainda é bem sexualizada. Eu vejo bandas de meninas que não estão no padrão de beleza, e, muitas vezes, elas ficam um pouco de lado, porque as pessoas acabam preferindo o padrão. Eu acho que isso também está mudando, porque eu vejo muitas artistas que não seguem esse padrão tendo voz. Mas é muito pouco ainda. Bem pouquinho mesmo.

“‘Bonitinha você é, mas será que canta mesmo?'”

Foto: Reprodução.

Por sofrer tudo isso, sendo mulher, sendo rockeira e se colocando no palco e na mídia, você acabou criando algum ritual para amenizar esses preconceitos diários no meio da música?

Deb: Em relação a rede de apoio, eu tenho amigas que tem banda também e a gente acaba trocando figurinhas de coisas que acontecem e que são meio absurdas ou que a gente fica meio sem jeito de lidar na hora, porque é uma coisa meio assustadora. Então, a gente acaba trocando o que acontece entre a gente, e eu acho que é uma maneira de confortar e também de orientar. Essa rede de apoio entre mulheres no meio da música, onde meninos são predominantes, é muito importante, porque todo mundo acaba se conhecendo. Então, isso ajuda bastante. Se alguma situação acontece comigo e eu me sinto desconfortável, eu tento rebater na hora, mas nem sempre a gente consegue. Mas tem coisas que eu coloquei na minha cabeça que não são normais, por exemplo, colocar para baixo ou fazer comentários que depreciam. Tudo que a gente faz é criticado pelos homens, porque eles pensam ‘Ah, a gente pode’. Hoje em dia, eu consigo rebater, mas pequenas coisas. Antigamente, eu não conseguia, já me fechava, ficava me sentindo muito mal e ainda achava que a pessoa estava com a razão.

“Essa rede de apoio entre mulheres no meio da música, onde meninos são predominantes, é muito importante”.

Afinal, a gente precisa encorajar umas às outras e compartilhar essas coisas ruins, como assédio e homens que nos depreciam. A gente tem que falar sobre isso, porque é o único jeito para a gente realmente evoluir, né?

Deb: Exatamente. Eu vejo que, por isso estar sendo mais falado, tem muito menino que procura saber o que está fazendo de errado. Então está todo mundo se desconstruindo e se reconstruindo também. E isso é muito importante.

Antes de terminarmos, indique uma outra artista ou banda nacional.

Deb: Vou indicar uma banda de uma menina que eu conheço desde pequena, que é a Putz.

E, para finalizar, tem alguma dica que você gostaria de dar para essas garotas que estão querendo entrar no rock e quebrar tudo como você?

Deb: Não pensar muito nas críticas que te fazem, sempre equilibrar para ver o que é pertinente ou não, porque críticas construtivas também existem. E ter coragem, acima de tudo. Coragem é o que vai mover você a subir no palco, mostrar o seu trabalho e não ter vergonha disso, não deixar as pessoas criarem barreiras para você. E… só vai! Porque, se eu tivesse pensado muito, talvez eu não teria tido a coragem, sabe? Eu fiz porque eu gostava muito, fui lá e não pensei, fui na coragem mesmo e não me arrependo. E eu ganhei coragem vendo outras mulheres liderando bandas e sendo artistas. Até a própria Madonna, que era uma artista que eu gostava muito, liderou muitas polêmicas e abriu muitas portas para a gente. Então, sempre que você pensar ‘Ah, não tenho coragem’, vai lá, assiste um vídeo, que isso dá um gás. Foi isso que me ajudou muito e ainda me ajuda. Às vezes, quando eu estou desanimada, eu vejo um vídeo de uma artista que eu gosto e eu falo ‘Puta, que foda. Ela é muito foda’ e é uma coisa que me traz de volta, sabe? Então, é uma coisa que pode ajudar todo mundo.

“Eu ganhei coragem vendo outras mulheres liderando bandas e sendo artistas”.

Muito obrigada pelo seu depoimento, Deb. Continue quebrando tudo e continue inspirando garotas a seguirem seus passos.

Deb: Estamos todas juntas nessa!

Confira abaixo a música “Maratona”, da banda Deb And The Mentals:

Ei, fale conosco!

Você pode nos indicar uma música ou banda, relatar vivências e até desabafar sobre o que quiser. Ficaremos super felizes de te conhecer!

Leia também

LYYA

Conheça a trajetória de LYYA, jovem artista que adentra o mundo da música como cantora, compositora, multi-instrumentista e produtora.

Adrienne Reyes

Acompanhe a perspectiva de uma especialista acerca do papel das mulheres na música e quais as suas previsões para o futuro do rock feminino brasileiro.